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Mãe não há mais do que dois

3% das crianças nascidas hoje o fazem por métodos de reprodução assistida

O filho favorito
Memória in vitro
Inseminação artificial em animais
O zoo do futuro
É possível que uma criança tenha três pais? Pois graças a uma nova terapia genética desenvolvida por uma equipe da Oregon Health and Science University, a resposta é sim. Estes pesquisadores conseguiram fecundar com sucesso um óvulo que contém DNA de duas mulheres: um, o mitocondrial, proveniente de um doador (que só se transmite por via materna) e outro, o nuclear, a mãe biológica. A eles se juntarão, in vitro, os 23 cromossomos do espermatozóide do pai. Graças a esta técnica, as mulheres com mutações no DNA mitocondrial podem ter filhos saudáveis.
Este tipo de DNA é o que gerencia o desempenho futuro das mitocôndrias, ou seja, a central elétrica de nossas células. Mas, o que acontece quando não funciona?
Objetivo: Salvar vidas
Quase todas as nossas células dependem das mitocôndrias para ter uma fonte estável de energia, de forma que uma doença mitocondrial pode afetar mais de um tipo de célula, tecido ou órgão. Assim, há cerca de 150 doenças, as consideradas raras e muito graves, que se desenvolvem por mutações no DNA mitocondrial. É o caso da síndrome MELAS, o que implica atraso motor e no desenvolvimento intelectual, e o de MERRF, que supõe ataques epiléticos e atrofia muscular. “Esta técnica servirá para evitar a transmissão dessas doenças”, afirma Nuria Martí, embrióloga da equipe da Universidade de Oregon, autor da descoberta.
Mas será que o futuro bebê terá os olhos ou a cor de cabelo do doador? “Estes genes intervêm na última etapa na formação de ATP (molécula encarregada de armazenar a energia da célula). De maneira que o único que possuirá o bebê serão mitocôndrias que funcionem corretamente, sem nenhum problema negativo associado”, assegura josé Martí. De momento, a eficácia desta técnica é de 50%, assim que a metade dos embriões obtidos não podem ser transferidos para uma mulher com fins reprodutores. Por agora, apenas se desenvolveu no laboratório, mas, chegado o momento, o que poderia ser levado a cabo em Portugal?
Carlos Romeo, diretor da cátedra de Direito e Genoma Humano da Universidade de Deusto e do País Basco, garante: “Tudo o que se pode fazer em reprodução assistida, em nosso país deve ser incluído na Lei de Técnicas de Reprodução Assistida. Neste caso, há uma indeterminação legal, já que a lei estabelece mudanças no oócito, mas não alterações como esta. Além disso, a Lei de Investigação Biomédica, que também entraria em jogo, não recolhe esta técnica aplicada ao ser humano”.
Assim, para praticá-la em nosso país, teria que ser legalizada.
Fora da lei
“Qualquer nova técnica que se queira praticar com fins de pesquisa, seja em caráter experimental ou em reprodução assistida, tem de ter relatórios favoráveis da Comissão Nacional de Reprodução Humana Assistida para os assuntos relacionados com a reprodução humana, como a Comissão de Garantias sobre a Utilização de células e tecidos humanos, para temas mais relacionados com células embrionárias e pesquisa em engenharia genética.
E ambos os relatórios são vinculantes, de forma que, se não a autorizam, não haverá maneira de levá-la à prática. Depois, a autoridade encarregada de dar a aprovação final é a Comunidade Autônoma”, explica Romeo.
Carlos Simão, diretor científico do Intituto Valenciano de Infertilidade, afirma: “É um passo a mais o que se faz agora, já que atualmente são identificados e selecionados os embriões são portadores de anomalias cromossômicas ou genéticas para evitar doenças muito graves em crianças que vão nascer. Neste caso, repara o oócito com DNA mitocondrial mutante para que a criança não sofra estas doenças”.
Este ir além voltou a despertar a polêmica sobre os limites da reprodução assistida. De fato, na Grã-Bretanha, a Autoridade Britânica em Fertilização Humana e Embriologia lançou em setembro uma consulta pública para discutir a ética de criar oócitos com três pais.
Gravidez virgem
Simon, que lidera uma equipe que trabalha em onze linhas de pesquisa relacionadas com a reprodução assistida, diz: “A população que requer técnicas de reprodução assistida é o 10% dos casais em idade reprodutiva, no entanto, na maioria dos casos, são pessoas que não têm nenhum problema que tornam as valorações éticas. Há um par de anos, o pai da fertilização in vitro, o professor Edwards, recebeu o prêmio Nobel por iniciar isso há 30 anos. Hoje, 3% das crianças que nascem em países como o nosso, o fazem graças a essas técnicas”.
E isso parece estar ainda mais justificado em caso de que se possa evitar uma doença.
Além disso, há mesmo quem é certo que um futuro no qual possamos ter filhos não só sem sexo, mas mesmo sem gravidez. É o caso da científica britânica Aarathi Prasad e seu polêmico livro Como uma virgem. Como a ciência está redesenhando as regras do sexo.
Para ela, a reprodução em úteros artificiais é o futuro, e uma solução justa para os casais homossexuais, por exemplo. De fato, já existe uma equipe de pesquisadores do Weill Cornell Medical College, que está realizando experiências nesta direção, e, atualmente, foram feitas algumas experiências com animais.
Tags: fecundação in vitro, mitocondrial e réplica.

O primeiro oócito criado em um laboratório com DNA de duas mulheres diferentes incentiva o debate sobre os limites e o futuro da reprodução assistida

Mãe não há mais do que dois